segunda-feira, 9 de agosto de 2010

edifica

O prédio era pequeno, de apenas dois andares e ficava no centro da cidadezinha. Nâo tinha nem elevador. O pessoal se conhecia, conversavam. Batiam papo no meio da escada e às vezes dava para ouvir dos apartamentos o que diziam. Uma vez acabou a luz e as meninas que moravam no 301 erraram o caminho e foram parar no de baixo: abriram a porta e tudo, dando de cara com uma família assustada no sofá, olhando sem entender. Aí caíram na risada.

Lá era assim, quase uma irmandade. Um dia o 304 estava de portas abertas para receber uma geladeira nova. Era linda, grande e branca, e atravessava o corredor em todo seu esplendor. A dona do eletrodoméstico foi correndo na vizinha contar a novidade:
- Vem ver a geladeira que eu comprei, que chique!
E foram as duas. No outro mês foi a vez da vizinha compartilhar o novo sofá que comprou.

Vez ou outra vinham os pedidos: tem uma xicarazinha de açúcar pra emprestar, por favor?, Ih menina, tá faltando um ovo pro meu bolo e o mercado fechou, não tem pra emprestar não?, Leva tudo, pode ficar pra você, depois você me dá um pedaço de bolo.

Assim trocavam bolos, pães, doces, e confidências. Quando o pai do pessoal do 201 traiu a mulher, todos ficaram sabendo. As mulheres do prédio, quando o viam, davam um meio sorriso, um oi quase mudo, um olhar com o canto dos olhos. Ele ficava arrasado, coitado, tinha um apreço por todos naquele lugar. Tanto que saiu de casa, não aguentou a pressão. Muita mulher condenando-o num lugar só.

Porém, toda rosa tem seu espinho. E o espinho do Edifício P. Lanca de Souza - era assim que o prédio se chamava - era a dona. Uma velha gorda e nervosa, rica e avarenta, que cheirava a óleo de rícino. Ia subindo o preço do aluguel aos poucos, sempre alegando aumento dos custos, dos impostos. O pessoal se unia nas ofensas contra a senhoria, deram até apelido (que não é divulgado devido ao restrito sigilo dessa informação que circulava no recinto como confidencial). Mas tal união não pagava as contas. E ela fazia de tudo: quis pintar todas as portas, mas as pessoas não viam porquê. Estava bem assim. Temos que pagar a escola dos nossos filhos, a cor da porta não importa. Mas ela não ligava, ia lá e mandava pintar e depois enviava o valor da conta para todos. Era demais.

Cansados de tanta maluquice, foram saindo, família por família, daquele prédio, cada um procurando algum lugar novo para morar. E foi assim: cada um para o seu canto, sem mais irmandade, sem mais vizinhança. Nunca devolveram os ovos e a farinha a mais que emprestaram nem se fez mais bolo para pagar o vizinho.

E a velha...bem, a velha derrubou o prédio e construiu uma grande loja de conveniências no lugar e que vendia óleo de rícino, ninguém entendia bem o porquê. Mas morreu duas vezes mais rica.

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