sábado, 24 de março de 2012

bença, pai

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- antes de sair, pede bença pro pai. Que é pra não acontecer de algo ruim te pegar no meio do caminho, e espera ele responder pra estar abençoada. Pede bença pra mãe também, que ela protege você. Se nem pai nem mãe estiverem presentes, terem saído pra comprar pão e café, e no lugar se encontrar apenas o avô, pede bença pro avô também, que avô abençoa, é sangue do mesmo sangue, é família. Mas enche a boca de fé e carinho, porque pedir bença é sagrado, é fazer de pai e mãe pequenos deuses. O pai porque protege a mãe e o filho, e a mãe porque cede seu corpo para a criação. E se você é filho, tem que pedir bença pro pai e bença pra mãe, encostando a sua pele na pele deles que é pra benção completar a proteção que foi selada no destino divino do sangue do mesmo sangue. É família.

sábado, 17 de março de 2012

foi cinematográfico

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À meia-luz não foi possível vislumbrá-la de todo, mas o andar vagaroso, a maneira delicada com que subiu as escadas sutilmente iluminadas do cinema e a pequena bolsa a tiracolo completaram a absoluta solidão daquela senhora. De certa forma, se estivesse acompanhada de alguma velha amiga e ambas subissem delicadas as escadas, seria um compasso em conjunto e a tristeza do isolamento já não teria mais evidência. Poderia se supor, logicamente, que a decisão de ir ao cinema e a compra dos ingressos não caberia apenas a uma pessoa, mas às duas amigas, que conversariam sérias na fila do guichê. Entretanto, eliminando-se a segunda pessoa da imaginária situação, o que sobrou à senhora é - e da qual não é possível fugir - a solidão, esta real, curiosamente chamativa quando ela subiu devagar as escadas daquele cinema. E quando as luzes acenderam, decretando o final do filme, foi a sua silhueta que partiu após os créditos, deixando atrás de si seu rastro de aura.




"O conceito benjaminiano de aura designa o fascínio concentrado e melancólico que determinada coisa assume no instante do seu desaparecimento".

quarta-feira, 14 de março de 2012

de dentro da alma

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De tudo, resta a pergunta, que já foi a de Calvino: como poderemos esperar salvar-nos naquilo que há de mais frágil?

segunda-feira, 12 de março de 2012

o que acontece com os devaneios

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Apontou para a grande árvore à sua frente, recortada contra o fundo azul-escuro do céu, e disse para ninguém:

- Olha, a árvore da vida.

Achou a frase bonita, depois sentiu vontade de explicar, para a criança que passava segurando uma bola vermelha:

- Cada galho é como se fosse um ser vivo, e mais outro, e mais outro; tudo em torno de algo maior e imponente, que é o tronco.

A criança piscou, ofereceu a bola para brincar, ao passo que foi negada. Foi embora, passou o gato, sentiu vontade de também explicar-se para o gato:

- O engraçado é que você, religioso, pode dizer que o tronco é Deus; e você, cientista, pode dizer que é o gene.

O gato fugiu miando alto. No fim, ainda só, concluiu para si:

- Eu acho que é uma árvore, velha senhora, que tem todo o direito de permanecer imóvel, solene, assistindo às metáforas que dão para si. Hoje, árvore da vida, amanhã o que será?

As formigas aplaudiram o discurso do lobo solitário.
 

lacrônico, o espaço das crônicas. © 2010

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