domingo, 28 de agosto de 2011

atravessando gerações

A Sra. Silva correu para contar ao marido:

- Deu positivo! Deu positivo! Estou grávida!

Felicíssimos, os dois. Não se cabiam de alegria. Nem sabiam o que fazer. Compramos já o enxoval? Que cor? Que escola matricular a criança? Precisamos guardar dinheiro para quando for para o exterior? E a faculdade? E o casamento?

A vida do bebê passou diante de seus olhos em uma fração de segundo. Era uma boa notícia, mas não seria fácil criar um filho.

A primeira preocupação, no entanto, foi a mais simples, mas talvez a que poderia trazer mais conseqüências definitivas: a alimentação.

O que uma grávida tem que comer para não parir um bebê gordo e sonolento? A Sra. Silva foi junto com o marido à uma especialista e saiu de lá franzindo o cenho:

- Nunca me senti tão brasileira. Ter que ficar comendo verde e amarelo... Sei não, meu bem, vai ser difícil para mim. Muito difícil.

O marido respondeu com ar grave:

- Para mim também não está fácil. Tenho que comer essas coisas verdes todas com você. Ah, os lanches...Mas temos que pensar no bebê, é pelo bem dele. Tudo é ele agora.

E assim os meses se passaram, a barriga crescendo cada vez mais. A Sra. Silva já não agüentava mais e um dia pediu ao marido, toda dengosa:

- Meu bem... Podemos ir ao McDonald’s? Só dessa vez, vai...

Ele limitou-se a olhá-la, com desdém.

- Por favor, desejo de grávida.

E a frase surtiu efeito como toda grávida sabe fazer.

A contragosto, o marido levou-a ao McDonald’s. “Mas será a última vez”, pediu ele, “não quero meu filho com cara de Big Mac quando nascer”. Para agradar o marido, a Sra. Silva pediu a opção mais saudável do cardápio: um McChicken.

- Olha, querido, é frango grelhado, tem menos gordura. Ah, senhor, o combo acompanha um refrigerante de 500ml tá?

A primeira mordida trouxe um êxtase danado, tamanho bem-estar aquela comida dava à ela. O bebê até chutou. “De felicidade”, supôs ela. Devorou em pouco tempo. Pelo menos o filho não ia nascer com cara de Big Mac.

Porém, a Sra. Silva não esperava que o primeiro lanche em muitos meses trouxesse uma dependência muito forte. Ela não podia ver as cores vermelha e amarela juntas que seu corpo já comichava. Um dia, em uma dessas vontades, coçou a bochecha. “Agora meu filho vai ter uma marca de nascença em forma de Mc Donald’s”, pensou aflita. Era o fim.

A solução encontrada foi muito simples. Comeu escondida do marido, assim evitava os comichões e as marcas de nascenças que poderia gerar com esse desejo todo. Assim fez até o fim da gravidez, sem nunca gerar qualquer desconfiança.

No nono mês da gestação, a Sra. Silva foi ao hospital para o parto. Voltou para a casa com um lindo garotinho nos braços. Rechonchudo, com uma pinta engraçada na bochecha.

- Que pinta é essa? – observou o marido – Parece uma letra...

- Ah, vai ver o bebê adivinhou a letra do nome dele...

- É, vai saber...

E o assunto morreu.

Muito tempo depois, o pai estava brincando com o filho quando o pequeno falou:

- Méquiti!

O pai quase caiu para trás.

- Meu bem! Ele falou! A primeira palavra, vem ouvir!

A Sra. Silva veio correndo, emocionada.

- Fale de novo para a mamãe escutar, filho.

- Méquiti!

Os dois se entreolharam. O que será que era isso?

- Poxa, esperava um “papá” da primeira vez – suspirou o marido.

- Com o tempo ele aprende, se acalme.

- Méquiti! – gritou o bebê.

- O que, filho?

- Méquiti! – e começou a chorar.

- Meu Deus, o que está acontecendo?

O pai ficou em silêncio. Aí disse, soturno:

- Querida.

- Sim?

E o bebê chorava.

- Você entendeu o que ele falou?

- Não... você entendeu?

- Entendi.

Silêncio. E terminou de dizer, grave:

- Ele disse McChicken.

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