segunda-feira, 20 de maio de 2013

do destino de Cleópatra

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Cleópatra, vestida de linho quase transparente, não consegue dormir. Está em pé apoiada na janela, o chão frio sem tapetes, a noite fria sem acalento, a lamúria ao longe de dezenas de romanos embriagados e trôpegos na rua de pedras. Pensa em Júlio César, seu amante, seu amor, relembra quando ele estava em terras egípcias e partilhavam da paixão em território dela. Agora era ela que estava em território de Júlio César, ele é quem comandava e nenhuma de suas decisões até agora atenuara a angústia do coração de Cleópatra. Quando escolheria levar a vida ao lado daquela que diz ser sua mais completa mulher? Suas palavras feriam-na: "aguarde que tenho planos para nós", o guerreiro romano dizia, enquanto continuava a dormir no mesmo leito de sua esposa Calpúrnia. Esta era uma batalha que ele não ousava enfrentar.
Sem saber, a imagem que Cleópatra fazia, ali, parada à janela, de seu futuro junto a Júlio César, de uma nova nação comandada pelo filho herdeiro que criariam juntos, criara uma fina névoa de fumaça, que esticava-se pela noite e chegava até o coração de Júlio César, enquanto este dormia profundamente. Cleópatra ligou-os a um fino cordão de promessas, como perfume de incenso espalhando-se pelo ar, e a cada dia que perdia de sono e ganhava em suspiros e amores por Júlio César era mais nitidez e menos bruma ao seu ligamento etéreo. Uma rainha que deixou para trás seu reino e seu povo para atender a um chamado de Júlio César só pode mesmo viver por ele.
Naquela última noite, Calpúrnia teve um terrível sonho sobre o que aguardava o marido se ele fosse ao Senado. César pressentiu a mesma coisa. Como homem racional que era, não dado a mistificações e derrotas, foi ao Senado mesmo assim, deixando de lado a misteriosa e renegada intuição. Lá, entre dezenas de homens que juraram proteção e fidelidade ao Ditador romano mais divino, César encontrou sua morte pela sórdida faca de seus traidores, e seu sangue agora exposto jorrava pelas escadas. Não há nada de divino em um homem descendente de Vênus que sangra em solo político.
O fio que o ligara a Cleópatra rompeu-se, voltando a se dissolver pelo frio infinito. Não mais pulsaria entre dois corações, como um cordão umbilical sagrado que alimentasse o necessário aos dois espíritos. O elo continuaria sólido em Cleópatra, uma vez que ela estaria para sempre condenada a tê-lo somente nas lembranças, mas na outra ponta haveria o vazio, o vazio de uma vida que deixou de ser vivida. Nos céus, Júpiter estende os braços para Júlio César e na terra, Cleópatra abraça um corpo inerte.
 

lacrônico, o espaço das crônicas. © 2010

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