sexta-feira, 28 de setembro de 2012

um desabafo, um devaneio e um sonho

2opiniões
É raro eu escrever em primeira pessoa nesse blog. Normalmente meus personagens falam por mim, ou apenas os "eles" e "elas" gerais falam por qualquer um. E se há primeira pessoa, é mais na condição de personagem e menos como condição pessoal. Então por que de repente essa vontade da minha pessoalidade tão exposta? Não sei, mas desconfio que seja por angústia de uma falta de aproximação e intimidade com as pessoas, ou até por uma banalização dos assuntos, pela frivolidade das saudações de "bom dia, tudo bem?" de manhã, que de tão frívolo e automático não está preparado para as respostas verdadeiras a essa simples pergunta. E enquanto essa reconciliação com o social não ocorre, eu me volto exclusivamente ao meu blog hoje, em primeira pessoa. A sensação que eu tenho é a de estar orando em voz alta na igreja, e os que ali estiverem sentados também a rezar teriam o infortúnio de ouvir o que era para ser pessoal e íntimo, mas já não é mais.



Como alguém pode ter a lembrança daquilo que jamais viveu?

Esses dias peguei um bebê no colo. Estava deitada, e o bebê me veio nos braços; era uma tarde opaca, a cortina estava semicerrada e eu descansava em cima de um cobertor macio, numa malemolência gostosa. Aconcheguei o bebê entre meus braços e o deitei comigo. Ali, naqueles minutos em que estive junto dele antes de sua mãe aparecer e o levar, surrealmente me transportei para uma realidade que tive certeza que foi a minha em alguma outra vida, e que será novamente no futuro. Sentindo o cheiro de inocência dele, sua fragilidade e sua entrega total, eu me imaginei já na condição de mãe, com o meu filho aninhado nos meus braços exatamente como estava ali aquele bebê. Deitaríamos, e eu estaria cantarolando alguma música na mesma moleza da tarde tranquila, em uma casa sossegada, na beira de um morro ou em uma vila que dá para o mar. Os passarinhos seriam frequentes, e eu saberia distinguir o canto do pintassilgo do de uma andorinha, para cantar ao meu filho. O compasso da respiração seria o mesmo, e eu o embalaria no carinho até nós dois dormirmos juntos, na paz e na tranquilidade que seriam os dias. Ter a liberdade para descansar na simplicidade de um despropósito. Dormidinha de rede na varanda. O bebê no meu colo aquele dia me transportou para uma casinha em Portugal, ou na Itália, onde vivi, com meu filho deitado comigo na cama em cima de uma coberta macia. E que vou viver de novo, quando eu tiver meu filho, sair da metrópole e procurar a candura de um lugar calmo, do ladinho da natureza, para poder enfiar a mão na terra e sentir o cheiro do orvalho.

Não sei explicar como é a sensação de relembrar tudo o que senti naquele dia para escrever esse texto. É como se eu tivesse acessando mesmo uma lembrança vivida - a casinha sossegada na Itália e o meu filho deitado em meus braços - sem, no entanto, jamais ter vivido. Mas todas as emoções, as cores, a textura da pele do meu filho, o som da sua respiração, o seu olhar, e até mesmo a claridade do quarto surgiram instantaneamente na memória, como uma fotografia do que foi. Talvez uma mulher só descubra que deseja ser mãe quando pega um bebê no colo, sente seu cheiro e fecha os olhos.

 

lacrônico, o espaço das crônicas. © 2010

Blogger Templates by Splashy Templates