sexta-feira, 20 de julho de 2012

o fim e o começo

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Lua alta, cheia e amarela, na altura das árvores mais distantes, só não beija o solo porque é privilégio do pôr do sol. Cabelos emaranhados e pretos, anda nua na grama fresca contando as estrelas do céu. Ouve alguém xingar ali perto, perde a conta, vai ver quem é e encontra Arthur Rimbaud deitado olhando para a lua. Reclama que dói os olhos de tão grande, e se grande de repente fossem os olhos? Aí a lua seria pequena e a dor menor ainda. Senta ao lado de Rimbaud, mas a grama faz a perna nua coçar, ninguém disse que a poesia não alivia mal algum. Rimbaud começa a conversar intimamente com o satélite em versos decassílabos, e como a perna coça insuportavelmente e teme mais ainda as formigas, ela se enche e volta a caminhar pela clareira da floresta. Está maldizendo o simbolismo dos franceses de cabelo comprido – a coceira é sinal de quê? – quando tropeça em algo caído no chão. É alguém. Fita o homem estendido no chão, pele vermelha de tão bronzeada, cabelos loiros sujos, ele resmunga “você me chutou, mas tudo bem, yeah, tem valium por aí?”, peito cortado, só pode ser Iggy Pop. O que Iggy Pop estaria fazendo deitado na floresta? “Está olhando a lua também?”, pergunta a de cabelos negros, “foda-se a lua, preciso de um pico”, ele nem abre os olhos. Ela diz que vai arranjar e some de fininho, não gostaria de vê-lo berrando Raw Power! em cima de sua nudez. Dessa vez melhor caminhar por entre as árvores. Pára na frente de uma árvore tão grande quanto todas as árvores juntas da floresta, o tronco tão grande quanto a lua. Daria pra entrar dentro dela e fazer uma festa com Rimbaud e Iggy Pop. Festa na árvore. Estava quase abrindo a porta do tronco da árvore quando sente um farfalhar de grama ao seu lado, ela se vira para ver quem chega mas a pessoa está envolta em uma aura ofuscantemente brilhante e não enxerga nada. O ser de luz coloca uma mão no ombro da mulher nua, sua aura se esvai e ela enfim consegue ver: Jesus Cristo. Assustada pela presença grandiosa, ela não diz nada, fecha os olhos e nesse instante ouve a voz de Jesus Cristo em sua mente: Continue a caminhar, pare à beira do abismo, e apague tudo o que escreveu; está pronta para iniciar sua nova fase que rascunha em seu espírito. A mulher nua absorve essas palavras, abre os olhos e só enxerga a relva verde, estendendo-se à sua frente. Põe-se a caminhar em direção à lua alta, cheia e amarela, e quase viram uma coisa só, pra quem vê de longe.

domingo, 1 de julho de 2012

pequeno coro bêbado

2opiniões
"Madrugada
Sou da lira
Manhãzinha
De ninguém
Noite alta
É meu dia
E a orgia
É meu bem"



Samba pela avenida, a dois passos da ponte a noite pode se tornar infinita. Lembra Eduardo Marciano nos acessos boêmios de cantar trepando nos galhos de concreto. Abrir os braços e ocupar toda a rua, abraçar toda a cidade, amar todos os indivíduos, expressar para todas as janelas que a noite, a noite é rara. O passo cambaleante, os amigos atropelando-se pelas guias: vem aqui que isso não acaba nunca, o ser só se torna ser quando traz à superfície o inconsciente, que inconsciência?, estamos todos aqui agora. Vamos parar o tempo, olhar para os rostos encavalados nos terraços julgando com suas velhas teorias o novo sangue bêbado das ruas. Pegue mais um copo e beba, beba a Dionísio por tão perfeita embriaguez de espírito em tempos tão retidos. É o que resta, afinal, longe desses muros, a dois passos da ponte; a fumaça, o copo cheio, a lua.
 

lacrônico, o espaço das crônicas. © 2010

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