terça-feira, 18 de janeiro de 2011

são paulo

3opiniões
Quando me dá agonia, eu como. Abro a geladeira, penso mais do que eu deveria pensar, reflexões filosóficas enquanto me indago o que vou comer, que combinação excepcional posso fazer com a comida que tenho. Quando preciso pensar, mais do que abrir a geladeira, eu tomo banho. Aquela água quente caindo na pele, amaciando os músculos, o silêncio, só você e a água. O chuveiro já me viu cantar, chorar, falar sozinha, ter idéias esplêndidas e anotar na parede úmida ou no box para não perdê-las. É o lugar onde você coloca a cabeça em ordem. Quando não consigo desenhar, eu escrevo. Costumava ter com os traços uma relação mais forte do que com as letras. Era como se mão e lápis fossem uma só, agora minha companheira mesmo é a caneta. O lápis virou amante, não muito funcional, que só procuro quando sinto que dessa vez o desenho sai. Amante desgastada, enferrujada, por anos de prática quase integral com a escrita.

Quando estou com tédio, vou ao supermercado. E distraidamente, perco uma hora do meu dia entre prateleiras e prateleiras, em busca do menor preço, das ofertas, de algum produto diferente, tudo em meio a um monólogo inteiramente pessoal e abstrato. Vou ao supermercado também para pensar na vida ou em algo que está me empacando, como a idéia para um roteiro. Se o banho, que é curto, não adiantou, vou ao supermercado. E penso lá.

Se nada resolveu, eu viro um ser humano amorfo. Que senta, anda, olha e come meramente porque são funções vitais. Mas entre isso e uma alga não há sequer uma diferença. Sentar no sofá e passear pelos canais, até perceber que na última meia hora você não fazia idéia do que estava assistindo porque sua cabeça estava longe dali. Perceber que o teto de seu quarto tem rachaduras que lembram mangás. Sentir-se íntimo dos objetos da casa, que parece que te olham no seu profundo silêncio contemplativo e você quase os ouve dizer "eu estou me divertindo muito e você?". E quando você sente isso, a única coisa que deseja é virar um vaso de mesa, sem obrigações nem funções vitais. Um vaso, que observa tudo, sem sentir dor por estar na mesma posição há tempos, sem sentir fome nem sono. Pensando bem, quase Deus. É isso que você quer ser.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

parênteses

2opiniões
Então você fica quase inconsciente, quase surdo, só dando ouvidos à sua cabeça. Ela dita as palavras e você só as coloca no papel, na ordem em que vão surgindo mentalmente. No final, o texto todo pode não fazer sentido nenhum, mas daí é só você dizer que seu estilo é parecido com o de Caio Fernando Abreu que todos se calam com um suspiro de alívio, refeitos do susto por acharem que você provavelmente não teve aulas de coesão e concordância. Bobagem. É tudo uma bobagem. Escrever é pura masturbação do escritor. Um prazer só dele e criado para ele, os leitores são meros passageiros que gostam de dar uma volta nesse navio. Ou barco. As convenções ortográficas e linguisticas podem ser arbitrariamente suspendidas se assim o autor quiser, sob uma justificativa qualquer. "Ah, é o pós-modernismo contemporâneo", "Pois o comunismo estético...", "Meu estilo é baseado na livre-associação de palavras...". Ninguém discordará, pois a escrita de alguém é a coisa mais pessoal já publicada. Os autores só lutam para tornar sua história a menos parecida possível com uma piada interna.

um casamento harmonioso

0opiniões
- Cale sua maldita boca, mulher. Vai pra cozinha, faz alguma coisa, mas me deixa em paz, puta que pariu.

- Quando foi que me casei com você?

- Faz muitos anos que eu te aguento.

- Só pra eu me lembrar de não cometer esse erro novamente quando eu pegar a arma e atirar nessa sua cara de porco velho.

E saiu batendo os pés.
 

lacrônico, o espaço das crônicas. © 2010

Blogger Templates by Splashy Templates