quinta-feira, 26 de novembro de 2015

a grande questão/o início de um outro blog

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Estive pensando: como se luta contra a banalidade?
A quietude é um estado de espírito, uma vivência internalizada das sensações. Falar exige por demais energia e pensamento lógico, aliás, mais do que esses dois fatores. Falar assume uma ação intrincada e complexa, mesmo que seja a coisa mais frívola a ser dita, 'como o tempo está frio'; existe a sua posição como comunicador e aquele com quem você se comunica, se comunicamos, é preciso que nos façamos compreensíveis. Não existe motivos para invertemos a sequência lógica da frase do tempo estar frio por qualquer outra sequência que fosse, a princípio, arbitrária ou anarquista. A outra pessoa não entenderia, ou até poderia fingir entender, mas em algum momento rompeu-se o fio da comunicação e mesmo que tenha sido uma frase muito banal para ser dita, foi uma perda desnecessária de energia e motivação vazia, nula. A troco de nada. Afora isso, quando falamos, externalizamos em palavras o que estamos pensando, e o pensamento em sua maioria das vezes tem uma formação nebulosa. Quando ele existe internalizado, suas conexões são feitas rapidamente, mesmo que de maneira um tanto indefinida. Ainda no caso frívolo, por exemplo, podemos pensar de modo subjetivo sobre o porquê estar frio. É capaz de os pensamentos vagarem de um extremo a outro. Se formos verbalizar, no entanto, pegamos apenas uma fração disso para ser organizada em uma sentença lógica. Então buscamos palavras e as entonações adequadas para aquilo que se quer dizer, porque não basta apenas as palavras em si, pois a ela junta-se todo o gestual e a melodia da fala. Ao falarmos do tempo frio, podemos dizer de várias maneiras. E não pensamos na frase pronta de antemão, mas de alguma maneira ela vai se formando à medida que tentamos clarear a fração do pensamento para aquela pessoa que está nos ouvindo.
Falar é complicado. Ao menos para mim, de alguma maneira que não entendo, tem sido complicado. São muitas coisas a serem levadas em conta: a escolha das palavras, a maneira com que você se comunica, a coerência com aquilo que lhe é interno e está sendo externalizado, é isso, sobretudo a coerência!, e ao final das contas, a rejeição da banalidade. Ao menos esse último é motivo pessoal meu.
E por que tudo isso?, você poderia se perguntar. Talvez exatamente porque se não estamos sendo coerentes, então estamos falhando em nossas relações humanas. E encontrar a coerência entre aquilo que está no seu pensamento e a forma com que você expressa verbalmente seu pensamento não é pouca coisa, pelo contrário, é algo de importante! Não deve ser visto com leviandade! É a expressão humana.
Claro que acabo falando aqui de uma coerência relacionada apenas à expressão, mas isso acaba se refletindo em um todo. Você não saber falar de maneira clara e precisa aquilo que você quer falar é um problema (essa é uma frase que poderia ter saído de um livro tolo de autoajuda, perdoem-me), porque você não estará se expressando por inteiro. Como consequência, sua relação com aquele que o ouve também não é completa, pois você não se fez entender por completo.
A isso somam-se também as diversas sutilezas perceptíveis. A cada segundo que você faz uma pausa para se lembrar de alguma palavra, sua credibilidade perante os outros cai.Imperceptível, dá para perceber pelo desvio de olhar que o outro faz nessa hora, como se te achasse um indivíduo muito flutuante sem clara certeza de suas palavras. Como uma dúvida.
A comunicação humana, no entanto, é repleta de remendos e tropeços e imperfeições. Sim, de fato. Está sujeita à maleabilidade. Mas não será talvez isso a causa de tanta incompreensão no mundo?
Não falo de boa oratória, mas talvez de articulação. Ter a capacidade de articular seus pensamentos de forma coerente, tanto com o que se quer falar quanto na forma com que se pretende falar. Se ao ser humano fosse dado apenas o direito de viver isolado, jamais - pense, jamais! - necessitaríamos disso. Não seria preciso falar! Por que falaríamos? Com quem? Poderíamos, é claro, conversar sozinhos com as estrelas, mas a comunicação seria outra, talvez. Mais louca, mais livre. Talvez emitiríamos sons, como os animais, embora o som também possa fazer parte de uma estrutura lógica.
Mas enfim. Ao final das contas, como já disse Tarkovski, a experiência do autoconhecimento é o único objetivo da humanidade; o homem "está eternamente estabelecendo uma correlação entre si mesmo e o mundo". E essencialmente é isso. Estamos o tempo inteiro nos relacionando de uma forma ou de outra, com outros e com nós mesmos. Mediando esta relação estão diversas formas de expressão, entre elas a fala. E podemos ser incompreendidos em muitos níveis. Talvez resta a cada um se perguntar em até qual medida se quer ser compreendido.

A minha, na mais completa e profunda possível. A banalidade é apenas a superfície de um oceano...
e ao se buscar essa comunicação mais completa e profunda é que se conhecem os e seus limites. (Acho que aí reside a minha atual luta interna)...


em tempo: Tarkovski fala por mim! Ainda que fale sobre cinema, veja o que ele diz sobre as palavras:
"O roteirista pode (...) escrever, simplesmente: 'Os personagens param junto à parede', e prosseguir, acrescentando o diálogo. No entanto, o que há de especial nas palavras que estão sendo ditas, e o que elas têm a ver com o fato de se estar de pé ao lado da parede? O sentido da cena não pode estar concentrado no texto dos personagens. 'Palavras, palavras, palavras' — na vida real, estas têm pouco significado, e só raramente, e por muito pouco tempo, pode-se testemunhar uma perfeita harmonia entre palavra e gesto, palavra e ato, palavra e sentido. Pois, em geral, as palavras de uma pessoa, seu estado interior e suas ações físicas desenvolvem-se em planos diversos. Eles podem se complementar ou, às vezes, até certo ponto, estar em concordância mútua; no mais das vezes, porém, elas se contradizem, e em alguns momentos de extremo conflito, desmascaram-se mutuamente."

terça-feira, 24 de novembro de 2015

um quadro para Raskólnikov

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Que sensação a de se encontrar com uma figura que julgava ter criado apenas na imaginação! Quando havia lido Crime e Castigo imaginava Raskólnikov em um quarto de teto afunilado, paredes marrons, ambientação um pouco escura, não sei se havia pensado em alguma janela, mas certamente a cama ficava encostada à parede. O chão poderia ser de assoalho, aquela madeira antiga que levanta muito pó. Mas imaginava sobretudo o teto. Não sei dizer exatamente se o que eu imaginava derivava da descrição do livro ou era a minha mente correndo solta - afinal, faz anos que li, mas o barato da leitura é justamente esse. Tampouco consigo explicar como é que a memória guarda essas ambientações imaginárias que fazemos com cada livro que lemos!
Mas eis que encontro sem querer essa imagem em algum canto da internet:



Der arme Poet (O poeta pobre) é um quadro do séc. XIX do pintor alemão Carl Spitzweg - e parece que um quadro bastante popular e adorado entre os alemães. Não conhecia a imagem e o que me chamou a atenção de imediato foi ter notado uma semelhança assustadora com a ideia que eu havia construído na imaginação do quarto de Raskólnikov, exceto talvez pelo tamanho do aposento, que no quadro está pequeno e apertado demais, em relação a um quarto mais espaçoso, porém vazio, que eu havia dado ao personagem. Para ficar ainda mais parecido com o que eu figurei, sabe-se lá de onde, eu teria que inverter a imagem:





E assim a minha imaginação sente-se quase invadida em segredo! Que sensação diferente...
 

lacrônico, o espaço das crônicas. © 2010

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