Perdoem-me os que esperam aqui,
agora, uma crônica sobre o cotidiano ou um conto iguais àqueles que já escrevi,
com uma história em terceira pessoa e personagens ilustrativos. Hoje, não há
uma história. Para não dizer que não há personagem, na verdade há uma sim: ela,
que habita a minha cabeça e é dona de muitas inquietações. Fico a me perguntar
quais os motivos para tanto, mas receio que ela também não sabe me dizer. Vez
ou outra, pobre pequena, sofre de profundas overdoses irracionais. A sua droga
vem dela mesma, e é o excesso das sensações. Ultimamente, tem sentido
diariamente seus efeitos. No entanto, sabe que a culpa é dela mesma. E o que
faz com essa consciência? Nada. Às vezes teimo com ela por isso, onde já se viu
gastar tanta energia em coisa que não vale a pena? O problema é que valeu, um
dia, e se hoje não vale mais é uma ideia difícil de ser desenraizada de seu
coração. É como assistir a podridão de uma maçã e chegar o dia em que você quer
comê-la, mas saber que já é tarde demais e ter de jogá-la no lixo sentindo na
boca o gosto do que ela poderia ser. Como ela vive em mim, por conseqüência
acabo sofrendo as conseqüências do que ela sente. Assusta-me a sua imensa
capacidade de relembrar o passado e se permitir viver nele nas horas
frustradas, revirando e revivendo cada mínima lembrança. Acabo sentindo fortes
dores de cabeça, sem nunca entender o real motivo delas. Acho que agora sei: é
essa criatura que vive em mim, que vive de minhas memórias, que me
alimenta de seus desejos frustrados, que faz rolar no meu sangue somente o
néctar de sucessivas decepções. Ando cansada disso tudo, o sangue já está fraco
e minha cabeça declina. Não é mais uma boa moradia. Ela me falou hoje, quer ir
embora. Porém, cumpre aviso prévio, sem prévio prazo, e só estou aguardando o
momento triunfal em que sairá de mim para que eu possa renascer novamente.
Será uma perda significativa, no
entanto. Uma parte de mim, cheia de vícios e costumes por vezes venenosos.
Relembrei a história de nós duas, e fiquei pasma de perceber que data de muito
tempo, desde quando eu era uma criança sonhadora e consciente. A nossa relação se
tornou desgastante já precocemente, quando eu estava nos meus 12 anos e, por capricho dela, sofri uma desilusão amorosa silenciosa, impossível e digna somente dos
adultos. Nunca a perdoei por ter-me talhado desde muito nova ao seu altar do
amor, por ter-me feito à mercê desse sentimento, prioritariamente. Preferiria ter me preocupado com minhas bonecas.
Este texto é para exterminá-la de
dentro de mim.
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