quinta-feira, 21 de outubro de 2010

criancice

A menina era menina e brincava com seus bonecos em uma bagunça pela cama de visitas. Estava sozinha em casa e, naturalmente, não esperava por ninguém a não ser seus pais, que voltariam do trabalho em breve.

Sendo menina, naturalmente também que não se importava com bagunças. Pelo contrário, era a necessidade básica de qualquer criança. E para se brincar do jeito que brincava, tinha que ser com tudo espalhado pela cama. A de visitas.

Até que o interfone tocou e tirou-a de sua concentração. Parou de brincar. Quem era? Tentou se lembrar, mas realmente não esperava ninguém. Foi atender.

- Quem é?

- Oi, Ana? É a Flávia!

- Oi!... - quem?

- Eu sou uma prima da sua mãe, aproveitei que estou por aqui para visitar vocês!

- Ahhh, sim, sim, tudo bem? - de fato nem lembrava dessa prima da sua mãe. Mas a mulher tinha uma voz calma. - Então, minha mãe ainda não chegou, mas você quer entrar, aí você espera ela?

- Pode ser então!

- Tá, vou abrir a porta.

Apertou o botão do interfone e ficou esperando a Flávia na porta. Ela chegou e abriu um sorriso:

- Oi Aninha! Como você cresceu! - e estendeu os braços esperando um abraço.

Ana estacou. Flávia era linda. Adulta, morena, toda educada e delicada. Enquanto ela, uma criança, toda suja de brincar e com roupa de ficar em casa. Sentiu-se envergonhada. Mas foi dar um abraço na prima da mãe.

- Você está sozinha aqui? O que está fazendo?

- Eu tava brincando no meu quarto...

- Ah, que legal. Posso ver?

Ih, a bagunça. Que vergonha deixar a moça bonita ver tudo aquilo esparramado pela cama, o que ela ia pensar, que era uma criança?

Bom, ela era uma criança. Mas não queria ser, não depois de ter visto a moça, queria ser igual a ela. Porque a moça não era menina, era moça.

- Pode sim, mas você espera só um pouquinho que eu tenho que arrumar uma coisinha? Já que eu te chamo.

Flávia deu uma risadinha.

- Tudo bem, eu espero.

Ana foi afoita pensando em como se livrar da baderna. Não tinha como guardar tudo, ia levar muito tempo e é falta de educação deixar a Flávia assim, esperando sozinha na sala. Foi no armário e pegou um lençol. Pronto, cubro tudo, pensou. Cobriu qualquer vestígio de brinquedo e deixou ali, um monte evidente de bonecos escondidos, ocultos como se fossem provas de um crime.

- Pronto, pode entrar!

E quando FLávia entrou, logo entendeu. Viu o monte na cama e o resto do quarto todo arrumado e deu um sorriso. Também foi criança, entendia dessas coisas. Mas Ana, não. Para Ana, a moça não era menina, era moça. E queria ser igual a ela.

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