Olha para o relógio pelo menos
três vezes. Dá o último retoque no documento digitado e enfim desliga o
computador, levanta-se da cadeira e fecha a sala. São seis horas, seis horas,
seis horas, tem que sair agora porque demora duas horas e meia para chegar à
sua casa, muito tarde, muito muito tarde. Está morrendo de fome. Sai ao portão,
anda pela rua, faz frio, o vento bate no nariz sem dó, ele lembra que na
carteira tem apenas dois reais em dinheiro, com isso não dá para comer nada.
Como é que faz para aguentar a longa viagem em pé, esmagado entre dois sovacos
e infindáveis pernas, com a cabeça esgotada e o corpo derretendo em cansaço?
Fica na segunda fila para o ônibus, a primeira não consegue sequer ver onde
termina. Cabe tudo aquilo de gente? Pega os dois reais e compra um salgadinho
de cem gramas, sabor queijo, só para enganar o estômago. O salgadinho suja os
dedos e deixa os dentes grudando uns nos outros, vai ter sede e não tem nada
para beber. Ao seu lado um homem vende churrasquinho e ele fica pensando se é
isso que o homem faz o dia todo, preparar a carne e à noite vender no ponto de ônibus.
E o dia todo ele só preenche planilhas com dados e valores, vez em quando
parando para tomar um gole de café, e fica com aquele gosto amargo e ruim na
garganta o resto do dia. A fila aumenta e o ônibus não chega. O salgadinho está
pela metade e lembra que não comeu nada melhor naquela quarta-feira fria. Amanhã
ele pensaria em comer direito. Amanhã, aliás, ele pensaria que poderia fazer
diversas coisas diferentes: tirar dinheiro no banco, organizar sua rotina,
aproveitar o tempo que resta no fim do dia, organizar sua mesa de trabalho,
lembrar de limpar a caixa de entrada de e-mails e mais uma porção de outras
atividades. Enquanto espera a viagem no ônibus ele pensa em tudo aquilo que
quer fazer, e se empolga com as idéias porque prefere pensar que sempre amanhã
será um dia diferente, sempre amanhã, assim o tempo que escorre hoje sempre
escorrerá somente hoje, hoje apenas, porque ele demora duas horas, duas horas,
duas horas para chegar em
casa. E tem que acordar cedo, acordar às seis horas, para
sair no horário e chegar na hora certa e acompanhar o ponteiro do relógio que
avança, avança, avança...
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
a grande garantia para o homem foi ter descoberto o amanhã
Escrito -
Tais G. Faraco
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