Passou em
frente a uma Igreja, dessas que se parecem com um grande galpão reformado, o
culto já havia começado e a porta de vidro estava entreaberta. Sentiu vontade
de entrar, ora, estamos sempre tendo que fazer planos e organizar a agenda e os
horários para, na hora determinada, nos arrumarmos para a missa. Não seria
libertador entrar na Igreja a hora que se quer, simplesmente por estar passando
em frente naquele momento, sem se preocupar com o início e com os horários?
Entrou. O homem na porta perguntou-lhe:
- Você
escreveu seu nome na ata?
- Não.
- Você tem a
pulseirinha?
- Não.
- Você já veio
nas reuniões anteriores?
- Não.
- Então não
pode entrar.
Ficou pasmo.
Mas era um local público com a porta aberta para a rua, como não podia entrar?
- Você não
pode entrar.
Foi embora
desolado. Passou ao lado de um supermercado e o barulho dos alimentos passando
no leitor de barras foi tentador. Quis entrar e logo se deparou com uma
catraca. O homem da catraca perguntou-lhe:
- Você está de
mochila?
- Sim.
- Tem uma
moeda dourada de 1 real fabricada ano passado para guardar sua mochila em
nossos armários?
- Não.
- Você não
pode entrar de mochila.
- Não tenho
onde por.
- Você não
pode entrar de mochila.
- Vou guardar
minhas compras nela!
- Você não
pode.
Desesperado,
sem tem para onde fugir, quis falar com alguma alma amiga e compreensiva. Ligou
para o seu amigo. A secretária de sua repartição no trabalho atendeu.
- Preciso
falar com o Carlinhos.
- Você já
ouviu a mensagem eletrônica?
- Mas ele
trabalha ao seu lado na mesa!
- Você já
ouviu a mensagem?
- Não.
- Você
respondeu às nossas perguntas sobre a qualidade de atendimento de nossa empresa
e deu a sua pontuação?
- Não.
- Apertou a
tecla três?
- Não.
- Você não
poderá falar com ele.
Então não deu
outra: ficou louco. Eram tantas restrições, regras, proibições e limites
imaginários e inventados, que resolveu partir dessa para melhor. Ao menos o céu
era infinito. Na privacidade de sua casa, organizou o recinto, posicionou uma
cadeira no centro da sala e pegou um cinto para amarrar no pilar do teto. Ouviu
sirenes lá fora. Alguém arrombou sua porta. Era um policial.
- Você está
tentando se matar?
- Sim.
- Você não
pode fazer isso.
- Estou nos
limites da minha privacidade, em um local que pago mensalmente para usar, e a
vida, acima de tudo, é minha.
- Temos ordens
para não deixá-lo se matar.
- Você tem um
mandado de busca para ter arrombado minha porta?
- Não.
- Você tem uma
cópia registrada em cartório da denúncia de meu suicídio?
- Não.
- Você
registrou o protocolo da ligação recebida?
- Não.
- Então você
não pode me impedir.
Chegando ao
céu, foi parado na porta por um homem, que disse:
- Bem-vindo!
Você completou todas as orações e os mandamentos descritos nas mil e seiscentas
páginas da Bíblia?
- Não, mas...
- Oh, sinto
muito!
E foi assim que nosso personagem descobriu que nem o céu é o
limite.
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