segunda-feira, 18 de agosto de 2014

(nem) o céu é o limite

    
Passou em frente a uma Igreja, dessas que se parecem com um grande galpão reformado, o culto já havia começado e a porta de vidro estava entreaberta. Sentiu vontade de entrar, ora, estamos sempre tendo que fazer planos e organizar a agenda e os horários para, na hora determinada, nos arrumarmos para a missa. Não seria libertador entrar na Igreja a hora que se quer, simplesmente por estar passando em frente naquele momento, sem se preocupar com o início e com os horários?
Entrou. O homem na porta perguntou-lhe:

- Você escreveu seu nome na ata?

- Não.

- Você tem a pulseirinha?

- Não.

- Você já veio nas reuniões anteriores?

- Não.

- Então não pode entrar.

Ficou pasmo. Mas era um local público com a porta aberta para a rua, como não podia entrar?

- Você não pode entrar.

Foi embora desolado. Passou ao lado de um supermercado e o barulho dos alimentos passando no leitor de barras foi tentador. Quis entrar e logo se deparou com uma catraca. O homem da catraca perguntou-lhe:

- Você está de mochila?

- Sim.

- Tem uma moeda dourada de 1 real fabricada ano passado para guardar sua mochila em nossos armários?

- Não.

- Você não pode entrar de mochila.

- Não tenho onde por.

- Você não pode entrar de mochila.

- Vou guardar minhas compras nela!

- Você não pode.

Desesperado, sem tem para onde fugir, quis falar com alguma alma amiga e compreensiva. Ligou para o seu amigo. A secretária de sua repartição no trabalho atendeu.

- Preciso falar com o Carlinhos.

- Você já ouviu a mensagem eletrônica?

- Mas ele trabalha ao seu lado na mesa!

- Você já ouviu a mensagem?

- Não.

- Você respondeu às nossas perguntas sobre a qualidade de atendimento de nossa empresa e deu a sua pontuação?

- Não.

- Apertou a tecla três?

- Não.

- Você não poderá falar com ele.

Então não deu outra: ficou louco. Eram tantas restrições, regras, proibições e limites imaginários e inventados, que resolveu partir dessa para melhor. Ao menos o céu era infinito. Na privacidade de sua casa, organizou o recinto, posicionou uma cadeira no centro da sala e pegou um cinto para amarrar no pilar do teto. Ouviu sirenes lá fora. Alguém arrombou sua porta. Era um policial.

- Você está tentando se matar?

- Sim.

- Você não pode fazer isso.

- Estou nos limites da minha privacidade, em um local que pago mensalmente para usar, e a vida, acima de tudo, é minha.

- Temos ordens para não deixá-lo se matar.

- Você tem um mandado de busca para ter arrombado minha porta?

- Não.

- Você tem uma cópia registrada em cartório da denúncia de meu suicídio?

- Não.

- Você registrou o protocolo da ligação recebida?

- Não.

- Então você não pode me impedir.

 

Chegando ao céu, foi parado na porta por um homem, que disse:

- Bem-vindo! Você completou todas as orações e os mandamentos descritos nas mil e seiscentas páginas da Bíblia?

- Não, mas...

- Oh, sinto muito!

E foi assim que nosso personagem descobriu que nem o céu é o limite.

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