quarta-feira, 17 de outubro de 2012

quando o criador encontra a criatura

Isso merece ser escrito.

Na crônica "Por um desvio de interpretação", criei um imaginário em torno de um homem que cruzou meu caminho. Mas como todos os que têm sua presença nas linhas dos meus textos, acreditei que nunca mais o veria, que cairia na efemeridade de alguns encontros da vida.

Acontece que dia desses, voltando para casa, ele estava à minha frente, caminhando com o conhecido ruído metálico para a mesma direção que eu. Para o mesmo prédio, talvez? Tudo indicava que sim. Imediatamente me senti uma ladra, alguém que secretamente roubara uma intimidade mesmo que irreal de um indivíduo que agora não fazia ideia de um dia ter estado na mente de um desconhecido. Não tive coragem de entrar no mesmo elevador que o homem. E criar um estranhamento e um constrangimento que só eu sentiria? Havia a inegável sensação de já ser íntima, de ter adentrado num universo estritamente confidencial a meu bel prazer, renegando ao sujeito o direito de saber que virou uma crônica. Furtei qualquer coisa de único...

A saudação ficou entalada na garganta. Não consegui olhá-lo por muito tempo, muito menos encarar um boa tarde sem me sentir uma invasora, envergonhada. Portanto, tenha cuidado ao enfiar-se demais na realidade ilusória de um desconhecido: se encontrá-lo novamente, e a imersão ter sido profunda, é capaz de você se sentir um velho amigo, um terapeuta ou um deus, sem nunca ter sido absolutamente nenhum dos três...

1 opiniões:

Bernardo disse...

Isso merece ser lido.
Quando uma Bela Criatura
Surpreende-me com sua literatura...
...Entendo o constrangimento da autora diante de “seu” personagem, e o “conhecido ruído metálico” q identificou o Figura?? Já estava pensando em molho de chaves?? Um cego e sua bengala?? Quase acertei! Aí fui ao conto original p entender. Vc, de qqr maneira, furtou lhe algo único. Eu já estou sabendo. Ele nem sabe q eu sei!!...O clima no elevador seria difícil, como vc mesma disse, mais difícil p ele. Causar constrangimento a uma jovem educada...Um “monstro social” confinado com uma dama, num cubículo! Talvez ele tenha percebido q vc evitou o mesmo elevador e subiu desolado com sua sina. Gostei mt qnd vc constata ” imersão ter sido profunda” ...Agora veja, em minha poesia eu já disse assim:
Uma formiga procurando doce
Passeava sobre minha poesia
Como se dela fosse
O verso q eu fazia.

E a miúda personagem
Q pisoteou meu poema
Cometeu esse ultraje
Sem saber q estava em cena.

Assim como vc furtou sorrateiramente algo dele, ele invadiu seu imaginário e ocupou seus pensamentos deliberadamente... Nem Deus, nem terapeuta. Vc é uma escritora, amante das palavras e as trata com carinho. Tanto na rigidez do verbo como na placidez do adjetivo. Seu texto é frumento (Manoel Bandeira q te explique) sem joio. Abusando de nossa amizade, sinto liberdade p escrever essas “cartas” e comentar sobre seus pensamentos q me foram escancarados.
...Depois de ler as crônicas e escrever isso td, foi qnd me dei conta (nas suas atividades no face) q vcs dois já tiveram a oportunidade de se ELEVAREM juntos...É td mt dinâmico. Puxei o fio do fim pro começo... Mas ñ muda o sentido do que foi dito. Sou conivente com seu “crime”, um comparsa fazendo conjecturas sobre um ser humano q emite som metálico. É preciso “ter ferro na alma” p ficar indiferente. Nossa imaginação é livre, mas de vez em quando, ela enrosca feito anzol em peixe bom. Parabéns e obrigado. Bjs

 

lacrônico, o espaço das crônicas. © 2010

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