terça-feira, 14 de junho de 2011

século XXI

O oxigênio estava insuficiente nas suas células quando acordou com ácido lático nas fibras musculares. Dores nos músculos. Correndo, foi para o armário novo com cheiro de tinta tomar um remédio. Apnoprastil, princípio ativo diretamente absorvido pelo organismo em alguns poucos minutos. Logo a corrente sanguínea carregaria o CG-T, que inibiria suas dores e assim ela poderia ir para o trabalho sem se preocupar.

Comeu uma maçã no espaço de tempo entre trocar de roupa e abrir a porta de casa, enquanto chamava o elevador e procurava a chave do carro, tudo ao mesmo tempo. Adrenalina corria pelo sangue enquanto tentava absorver o remédio e se reorganizar para poder quebrar as pontes de hidrogênio dos ácidos ribonucléicos da maçã. Mas ela em nenhum momento pensou em tudo isso: só queria era chegar no estacionamento.

Era muito cedo ainda para seu organismo processar essa grande quantidade de informações e poder mandar seus alertas rotineiros. Dessa forma, ela ligou o rádio para ouvir uma música enquanto passava batom no trânsito congestionado. Seus ouvidos captavam a música e seu cérebro se dividia em manter a atenção no movimento do carro à frente, demarcar a linha imaginária até onde o batom deveria ser pintado e processar os pensamentos frenéticos dela à respeito do seu atraso no trabalho.

O carro à frente andou, ela não viu, o carro de trás buzinou. Seu cérebro guinou para voltar a manter a atenção nos três fatores, agora com mais alguns em jogo, já que os carros começavam a andar. Acelerador, freio, câmbio, retrovisor. Para aumentar a carga de trabalho do cérebro, as células do corpo já estavam absorvendo o remédio e seus impulsos sendo mandados para o comando central. Que, sobrecarregado de tanta
tarefa, ainda tinha que desligar alguns neurônios responsáveis pelas dores nos músculos.

Chegou ao trabalho atrasada quase meia hora. Seu chefe gritou. As ondas mecânicas do som passaram pelo labirinto e chegaram até o cérebro, onde foram processadas com um alto grau de decibéis. Era demais, era muito, não ia aguentar. Então seu organismo deu seu primeiro sinal: tanta contração muscular começou a causar uma pressão em ambos os lados da cabeça.

- Ah, merda, mais essa agora. Aposto que foi aquela merda de trânsito. Alguém tem aspirina?


E mais um remédio entrou para seu organismo.








obs.: os fatos biológicos (que provavelmente não estão em conformidade com a realidade) serviram apenas de ilustração para essa história. Óbvio.

1 opiniões:

Lucas disse...

Bem divertida de ler. Bom, já disse o que penso pra você né?

 

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